Antes de tudo, é preciso esclarecer que o voto na Espanha não é obrigatório como acontece aqui no Brasil. E, talvez por isso, muitas optem pelo sigilo de suas preferências políticas por lá. Explica, mas não justifica, principalmente em um ano de pleito crucial e com adesão histórica da população: 37,5 milhões de eleitores exerceram seu direito democrático, número quase 70%, superior à das eleições de 2019.

Também é importante deixar claro que os espanhóis vivem sob um sistema de governo diferente do nosso: a Espanha é parlamentarista, mas o cargo de chefe de governo tem o nome de presidente, e não primeiro-ministro. Portanto, ontem era preciso definir quem teria a maioria no Congresso e a necessidade de formar uma coalizão para a governabilidade de Pedro Sánchez, do partido socialista PSOE.

O Partido Popular (PP), de direita e liderado por Alberto Nuñez Feijoó, venceu as eleições com 136 cadeiras no Parlamento, 40 votos a menos do que o necessário para formar um governo de coalizão. O PSOE ficou com 122 cadeiras. O Vox, de extrema-direita, conseguiu 33 assentos – 19 a menos do que tinha antes -, e o Sumar, de esquerda, alcançou 31 assentos. Apesar de terem feito um acordo anterior, PP e Vox não conseguiram, juntos, alcançar 176 parlamentares.

Sánchez buscava a reeleição e conseguiu uma sobrevida em um país, agora, mergulhado em dúvidas. Com esse resumo, talvez, você tenha entendido a importância do voto e, mais do que isso, do posicionamento político. Neste quesito, a classe artística brasileira dá um banho de democracia. Para lá e para cá.

Enquanto nossos isentões até ganharam apelido por serem facilmente identificados, na Espanha eles são a imensa maioria. Pouquíssimos artistas falam abertamente sobre seu voto. Pouquíssimos, não. Raros. E esses que se manifestam, majoritariamente, pedem que as pessoas compareçam às eleições, mas não declaram lado, em um cenário muito parecido ao da Itália em que a extrema-direita de Georgia Meloni venceu a disputa no ano passado.

Dá para contar nos dedos: Macaco, Joan Manoel Serrat, Rosalía, Rozalén são alguns dos esquerdistas convictos. Chanel, Aitana e Vicco se manifestaram em favor do voto. No passado, Marta Sanchez e Julio Iglesias mostraram sua inclinação à direita. Nomes como David Bisbal, Pablo Alborán, Manuel Carrasco – que dominam a cena musical – se mantiveram alijados da disputa.

Em eleições passadas, Bisbal deu a entender que seria de direita fazendo alusões à Venezuela – tal qual acontece no Brasil. Carrasco disse que falar sobre política é difícil para “quem vem de onde ele vem”, mas até pouco tempo seguia partidos de esquerda. Alborán, de quem se esperava um discurso forte contra o VOX, partido abertamente contrário à comunidade LGBTQIA+, segue calado. Vanesa Martín até tentou, mas esbarrou no discurso “faço música, não faço política”.

Um erro crasso. Arte é política. Música é política. Vida é política.

A Espanha é um país que está sob a sombra de extremistas de direita, fascistas, tal qual vivemos nos últimos anos. Não é questão de lado, é questão de liberdade e democracia, sobretudo. “Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor”, já dizia Desmond Tutu.

Em várias ocasiões, já falamos aqui sobre responsabilidade social. Se você se cala e se omite, perde a chance de esclarecer seu público sobre senso comum. Quem escolhe a vida pública não tem esse direito. “Ah, mas não quer”, “ah, mas não precisa”, “ah, mas não é conveniente”. Não, esse é o bônus do anonimato. Aos famosos e poderosos, o ônus do posicionamento.

A única fala incisiva sobre o que aconteceu na Espanha veio do uruguaio – e super politizado – Jorge Drexler, que vive em Madri há anos e nunca fugiu do assunto e de suas obrigações como cidadão, retuitando algumas celebrações pelo resultado:

Jorge Drexler é a Daniela Mercury deles, mas a Espanha, infelizmente, tem um mar de Claudia Leitte a atravessar para se preservar.

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