O LatinPop Brasil está há quase dez anos no ar e toda vez que um artista é criticado, a resposta é a mesma: “meu ídolo não erra”. Ou “culpa não é dele”. “Quem são vocês para falar sobre?”. “Está faltando pauta?”. Sem contar as inúmeras e impublicáveis mensagens no direct xingando a autora do texto. Essa equação nunca falha. Mas quem nos segue nesta década de luta pelo mercado latino no Brasil já sabe: nunca fugimos do chamamento à responsabilidade social dos artistas. Hoje, a bola da vez é Karol G.

Antes de tudo, cabe a explicação do porquê ela é a protagonista da crítica: +57, o single que gerou toda a polêmica, foi publicado em seu canal. Presume-se, então, que a música fará parte do seu repertório discográfico, ainda que J Balvin, Maluma, Feid, Blessd, Ryan Castro, Ovy On The Drums também façam parte da colaboração. Além disso, como mulher, ela deveria ter o poder de veto, no mínimo, aos versos mais sexistas de uma letra que faz apologia à sexualização infantil, entre muitas outras coisas.

Nessa conta entra ainda o fato de ter sido Carolina a responder os críticos, unânimes em apontar quão problemáticos são os versos da música, dizendo que os versos foram tirados de contexto. Não assumiu o equívoco, jogou na mala da falta de interpretação o que não tem nada a ser interpretado: “Una mamacita desde los fourteen / Entra a la disco y se le siente el ki / Mami, estos shots yo me los doy por ti” é apologia à sexualização infantil e ponto.

Mas os homens fazem isso a todo momento e ninguém fala nada, bradam os fãs. Vamos à contextualização, então.

Segundo matéria publicada no jornal O Globo (reproduzindo a Agência France Press) em junho deste ano, Medellín, a cidade que deveria ser exaltada como polo cultural na música, vive um boom de turismo sexual.

— As mulheres movem o turismo aqui em Medellín porque os homens vêm à Colômbia para procurar mulheres e se drogarem — disse à AFP Milena, uma das muitas trabalhadoras sexuais que faz ponto na Rua 10, desafiando o decreto da autoridade local. A prostituição é ilegal na Colômbia.

E a oferta não se limita a maiores de idade.

— A pedofilia no mundo vê uma opção de viajar para cá e ter relações sexuais — denuncia Jazmín Santa, membro da Mesa Intersetorial contra a Exploração Sexual de Meninos e Meninas.

A organização independente registrou 714 vítimas entre 2020 e 2022, baseada em dados da polícia. A proibição ao trabalho sexual em algumas ruas veio em resposta ao caso de Timothy Allan Livingston, um americano de 36 anos preso após entrar em um hotel de El Poblado com duas crianças de 12 e 13 anos. 

Medelín se tornou “um epicentro dos serviços sexuais na América Latina”, admite Jazmín Santa. Nas ruas encontrou mulheres que viajarem de outros países para trabalhar na cidade, também conhecida como uma “capital das webcams” pornográficas.

Mas no amplo catálogo de serviços sexuais que um visitante encontra na rua ou online, se camufla a “exploração sexual comercial” de menores de idade, alerta a pesquisadora.

Os dados são alarmantes e acessíveis de qualquer parte do mundo. Nem Karol G, nem Maluma (pai da pequena Paris), nem J Balvin, nem Blessd, nem Ryan Castro, nem Feid, nem qualquer outro cidadão de Medallo no mundo foi blindado dessas estatísticas desoladoras. Pior: se eles desconhecem o lado obscuro da Medelín de nascimento, a ignorância (no sentido literal de ignorar) é ainda mais preocupante. Em vez de promoverem as camadas mais problemáticas da cidade, todos deveriam usar suas vozes para combaterem a questão.

Culo grande, culo grandote (awo)
Shortes Machine pa que todo eso se note (tra-tra)
Le tiro la labia pa que se me empelote
Me voy sin casco con ese tote (pu-pu-pum)

Qual é o contexto que os exime de culpa neste verso?

O seu fav nunca erra. Já pensou em como você chancela comportamentos, no mínimo, inadequados? O ídolo sempre tem razão? O apoio irrestrito dos fãs acaba por infantilizar o artista, fazendo-o se descolar da realidade, ou faz parte “do show” mesmo em pleno 2024?

Estamos falando de nomes com milhares de seguidores nas redes sociais que, aparentemente, desconhecem o sentido da responsabilidade social.

Karol G escolheu “capitanear” uma música que ofende as mulheres e sua cidade. Foi um erro, e não tem defesa. Assim como sabemos que foi um desvio de rota em uma carreira brilhante. Como ela mesmo disse, “há muito o que aprender”, inclusive com os poucos companheiros que se solidarizaram nesses dias difíceis e foram para o front com ela para enfrentar a enxurrada de críticas. Justas, diga-se de passagem.

Os ídolos erram. Assim como eu erro. Ou você, que está lendo esse texto. Não seriam humanos se tivessem todos uma conduta imaculada na vida ou na arte. E cabe a você, você mesmo que dá stream e suporte, ajudá-los a corrigirem os equívocos grotescos.

Os ídolos também erram. Aceitem.

Não passem pano.

E exijam que aquele a quem vocês dedicam sua lealdade e amor sejam cidadãos socialmente responsáveis antes e acima de qualquer coisa.

É mais do que opinião. Os dados sobre Medelín provam o tamanho da irresponsabilidade desse lançamento. Não há nota de repúdio que o torne minimamente aceitável. O que a gente espera, agora, é uma desculpa sincera e a retirada do single do ar. Pelas mulheres de Medelín. Pela vasta contribuição da Colômbia à música latina. Pelos colombianos.

Afinal, nem tudo são números, views e streams.

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