Imagine reunir Feid, Karol G, Maluma, J Balvin, Blessd, Ryan Castro e Ovy On The Drums em uma colaboração? +57 (referência ao código de área da Colômbia) foi anunciada como um dos principais projetos da música latina em 2024, mas passou longe da expectativa positiva e trouxe à tona velhas problemáticas do gênero urbano.
A começar pela polêmica da semana passada, em que a intérprete de Mañana Será Bonito foi acusada de promover com entusiasmo um single de temática (e companhia) tão masculino. Vários vídeos de Anitta e Shakira jogando shade sobre sororidade foram sinalizados como indiretas a Carolina e o assunto repercutiu muito nas redes sociais.
Não bastasse, a chegada de +57 foi a cereja do bolo para os haters. Chega a ser preocupante a falta de zelo com a letra que, em determinado momento, faz clara apologia à sexualização infantil: “Una mamacita desde los fourteen / Entra a la disco y se le siente el ki / Mami, estos shots yo me los doy por ti”. O trecho tem as vozes de Maluma e Feid (namorado da Karol G).
O debate é gravíssimo. Não importa o gênero musical, não se fala que crianças/adolescentes “están buenas” e ponto. Não há espaço para normalização, ainda mais levando em conta que o tráfico e a prostituição de menores é um assunto preocupante tanto na Colômbia – que deveria ser exaltada na música – quanto no resto do mundo.
Esse não é um tema menor. Além de ter uma voz feminina que deveria ser a cabeça pensante e dizer um sonoro não à música, Maluma é pai da pequena Paris. Será que ele gostaria que alguém se referisse dessa forma à filha no futuro? Triste. E preocupante.
São músicas como essa que alimentam turismo sexual e o imaginário da estética infantil sexualizada tão presente nos trabalhos desses artistas. Para o mundo, a Medellín que eles queriam exaltar como destino cultural virou um paraíso de sexo, machismo e misoginia. Um clichê sempre presente no reggaetón. Quem aí já ouviu Pueblo de Medallo, em que Ryan Castro e Arcángel dizem “Directamente desde Medellín, Colombia / Desde Envigado, el pueblo de Pablo, cabrón […] En el Airbnb el culo le rompí / Comió callá’ y la puse a repetir”, como lembrou a Rolling Stone.
O desastre lírico apagou toda e qualquer qualidade artística do grupo. +57 não tem nenhum valor musical, sonoro. A música traz uma estrutura enfadonha, repetitiva e genérica para emoldurar uma letra absolutamente esquecível. Um desserviço para a cultura latina.
Karol G publicou uma carta de desculpas, mas não basta. “Me sinto frustrada com a desinformação… tiraram do contexto a letra de uma canção que buscava celebrar a união entre os artistas e fazer minha gente dançar. Nenhuma das coisas que foram ditas têm a direção que nós demos à música (…) mas eu escuto, assumo a responsabilidade, e me dou conta de que ainda tenho muito que aprender (…) Estou muito chateada e peço desculpas de coração”.
A música segue somando streams e views nas plataformas digitais. As palavras, no momento, são insuficientes. A Colômbia de tantos aportes à indústria musical merece mais cuidado e respeito.