O que Jão e Måneskin têm em comum além da camisa da Roma, time do vocalista Damiano David, usada pelo brasileiro no The Town na noite do último domingo? Ambos compartilham o sucesso proporcional ao hate que carregam nas redes sociais, especialmente no Twitter, atual X.
Quando os roqueiros italianos se apresentaram no Rock In Rio no ano passado, havia mais mensagens depreciativas do que elogiosas à performance impecável do quarteto. “Banda de cover”, bradavam os tuiteiros. Quando ousaram homenagear a icônica performance do Queen na edição de 1985 do festival com Love Of My Life, a rede veio abaixo. Parecia uma ofensa pessoal.
Ontem, Jão fez uma apresentação memorável para encerrar as atividades do palco The One no festival que compartilha o dono com o RiR. Foi achincalhado pela maioria. “Só jovem gosta”, escreveram alguns. “Quer imitar o Cazuza!”, foi a ira de outros. “Não sabe cantar” (?!?).
Måneskin tem uma turnê sold out mundo afora, incluindo dois concertos marcados no Brasil em novembro. Em São Paulo, já não há mais entradas disponíveis. Jão acaba de esgotar em três horas um Allianz Parque inteirinho na abertura da SUPER Turnê, em show agendado para janeiro de 2024.
Mas quem entende de verdade de música é o tuiteiro que se especializa em um assunto por dia, dependendo da demanda do noticiário ou eventos avulsos, não é mesmo?
Seria engraçado, se não fosse uma triste constatação de que há uma bolha que, simplesmente, não aceita renovação. Bom é o cantor da banda Y que fazia sucesso em 1970. Aquilo era rock de verdade! Aquele sim entendia do pop brasileiro. O tuiteiro não soube envelhecer sem repetir os erros dos nossos pais, amando o passado e sendo incapaz de ver que há espaço para que o antes, o agora e o depois possam conversar em harmonia.
Sobretudo, incomoda essa mania de desdenhar das novas gerações, seja de artistas, seja de ouvintes. Se você não ouve a 5ª Sinfonia de Beethoven, você não é cool o suficiente para estar naquela rodinha culturalmente privilegiada. E nunca são críticas construtivas. É raiva, ódio, hate, chame como quiser, embasado em conhecimentos rasos. Desconhece vida e obra, mas se sente no direito superficial de dizer que aquilo não tem valor porque não lhe convém. Se a modinha é odiar, então taca-lhe hate.
Enquanto Måneskin faz questão de reverenciar os ídolos do passado (e ao mesmo tempo é reverenciado por eles, diga-se de passagem), Jão escreve sobre o senso comum em suas músicas. A vida que todos nós já vivemos, os dilemas que os mais novos ainda vão viver. E esse é o seu grande trunfo, a facilidade na comunicação com várias gerações que estejam dispostas a entender que nem tudo é sobre o amor lúdico e perfeito. Tem a festa da Ana e o ano de cada um que foi “um ano e tanto”, escancarando imperfeições que ninguém gosta de lembrar. Melhor lidar com o eu lírico pudico e imaculado.
Ambos têm ainda em comum o fato de viverem livremente a sexualidade, deixando a nova geração à vontade para ser aquilo que quiser ser. Sabe o que é engraçado? Os ídolos do passado faziam o mesmo, mas nem vou ousar citar nomes porque Oxalá me livre de referências e inspirações. Não pode, é heresia!
As redes sociais têm seus escolhidos: Jão e Måneskin não estão entre eles. E se você falar que gosta de um ou outro terá que lidar com o fato de ser culturalmente vazio, oras!
Entre ser engraçado e triste, os sommeliers de gosto alheio são é penosos. Imagine que tristeza é viver acorrentado ao que já foi, quando a grandeza da música é, justamente, sua amplitude. É perfeitamente possível conviver com Elis Regina, Rita Lee, Cazuza, Renato Russo, entre tantos outros, e ver seus legados estampados em caras novas. É perfeitamente possível não consumir sem criticar. É perfeitamente possível não gostar sem desmerecer.
Ontem, fui apresentada pela jovem da casa a Veigh e 1Quilo, “os caras que tocam em toda festa de adolescente de hoje em dia”. Não torci o nariz, nem disse que Claudinho e Buchecha eram melhores. Pelo contrário, vou ouvir mais para entender o fenômeno teen, ainda que não seja mais teenager há bons anos. Tem lugar para todo mundo no mundo, olha que maravilha! E se existe algo que o tempo ensina é que não há nada mais cafona do que elitismo e etarismo musical.
Sobre Jão e Måneskin, os números (não os de streaming, mas os da vida real) falam por si. As redes sociais que lutem.