Quando Rosalía nos apresentou El Mal Querer em 2018, e depois o explosivo Motomami em 2022, já sabíamos que estávamos diante de uma artista disposta a desbravar territórios. Aliás, sua autenticidade musical vem desde o debut com Los Ángeles, mas ali seu reconhecimento ainda era local. Com Lux, que estreou oficialmente nesta noite (6/11) a artista de Barcelona não apenas avança — ela estende o mapa, ignora fronteiras e redesenha os contornos do pop contemporâneo para muito além do mercado hispano hablante.
Lux é um álbum que exigiu entrega. Gravado com a London Symphony Orchestra, sob comando de Daníel Bjarnason, e com arranjos de Caroline Shaw, o álbum reinventa o pop a partir da tradição clássica.
Ela canta em 13 idiomas — catalão, castelhano, inglês, latim, árabe, alemão, italiano, japonês, ucraniano, mandarim, português, siciliano, francês — o que transforma o disco num verdadeiro atlas sonoro global. A estrutura em quatro “movimentos” reforça o caráter de grande obra, uma sinfônica digna dos tempos modernos.
Essa escolha — ousar, desafiar, ampliar — é o que Rosalía sempre fez melhor, mas aqui ela eleva a ambição a outro nível.
Temática: luz, mística feminina, transcendência
O próprio título Lux (luz, em latim) aponta para o núcleo do projeto: iluminação, revelação, transformação.
As letras exploram o feminino sagrado, a dor amorosa, o perdão, a busca pela transcendência. Em “Porcelana” ela repete “Ego sum lux mundi” (“Eu sou a luz do mundo”), como mantra.
Não é um disco feito para dançar sem pensar — é para sentir, para arquitetar uma experiência, para que o ouvinte se sinta parte da jornada, em uma sonoridade que transita entre o íntimo e o épico
Aqui a Rosalía deixa de lado o ritmo urbano puro e abraça texturas mais amplas: orquestrações dramáticas, coro, instrumentos clássicos, mas também momentos de leveza, brincadeira e até humor.
A crítica já se rendeu: Exclaim! chamou o álbum “genuinamente arrebatador” e The Guardian definiu como “uniformemente belo”. Sobretudo, em uma observação puramente pessoal, ela soube equilibrar grandiloquência com humanidade — sem deixar que o espetáculo ofuscasse a alma do disco.
O disco marca um antes e um depois. Não apenas para a carreira da Rosalía, mas pelo nascimento de uma obra-magna da música. Rompe com fórmulas prontas: não há refrão clube-hit fácil, há risco, há construção.
Rosalía se coloca como protagonista da obra: produtora executiva, fazendo escolhas de arranjo, multi-idiomas, orquestra. Autoria forte, porém sem egocentrismo. Porque, ao mesmo tempo, é pop — ou melhor: “pós-pop”. Ela não abandona o popular; ela o redefine.
As faixas merecem ser ouvidas em sequência, em fone, com atenção. É um registro para “escutar com o coração”, não só com o ouvido.
Os destaques
“Berghain”: faixa-porta-voz do álbum, com ecos eletrônicos, orquestra, e participação de Yves Tumor e Björk. Uma reunião de titãs que aponta o tom do álbum.
“La Perla”: uma das raras “diversões” do disco, leve-se-possa-dançar-mas-com-consciência.
“La Yugular”: voz + guitarra espanhola, contemplativa, emocionalmente devastadora.
Lux é para quem conhece Rosalía e quer vê-la ir além — muito além. Para quem ama música que exige, que se abre com o tempo.
Para quem está cansado do pop que soa feito em série, linha de produção, e quer algo intenso, provocador, diferente. Talvez não seja tão “palatável” para quem busca “hit instantâneo pra curtir com os amigos”. Esse álbum pede pausa, atenção, entrega.
Rosalía não apenas confirma que sabe reinventar-se: com Lux ela assume um patamar artístico que quase a coloca fora da “corrida” pop convencional. Este é um álbum que se assenta entre o clássico e o contemporâneo, que abraça o feminino, o divino, o pessoal e o universal — e tudo isso num só corpo sonoro.
É um trabalho que arrebenta expectativas, quebra paradigmas e entrega aquilo que muitos artistas prometem mas poucos concretizam: uma obra-magna. Lux é luz — para ser ouvido, sentido, reverenciado, eternizado.
