A informação de que a Espanha elegeria seu próximo representante no Eurovision Song Contest no Festival de Benidorm veio acompanhada do temor de um novo fiasco. Nomes desconhecidos e o total descolamento do júri técnico da realidade eurovisiva e até do mercado musical atual sempre dão o tom nesses casos.
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As seletivas espanholas nunca primaram pela vanguarda ou pelo bom senso do contexto. Há entre os nativos o consenso de que o mundo é incapaz de entender suas propostas, em uma certa presunção que ano a ano é derrubada pelos maus resultados no festival europeu.
Faz duas décadas que acompanho esse mecanismo quase masoquista aos ouvidos, à exceção das eleições via Operación Triunfo e aos acertos esporádicos de Pastora Soler e Ruth Lorenzo. A primeira reação foi de renegar Benidorm e só descobrir o vitorioso ao final da seleção. Talvez fosse uma decisão acertada, visto que as próximas três semanas serão de apreensão pelo resultado. Pela primeira vez, a Espanha pode ter alguém que represente sua cultura sem cair no lugar comum, sem apelar para estereótipos e entregar qualidade em Turim, sede do ESC em 2022.
Para isso, Benidorm, cuja final será realizada no dia 29 de janeiro, precisa coroar a criatividade e o talento do trio Tanxugueiras, formado por Aida Tarrío e as gêmeas Olaia e Sabela Maneiro, que deram uma rasteira na falta de originalidade ao apresentarem sua música regional galega (Alalá) para concorrer no festival. Terra é uma ode à cultura, natividade, pertencimento e, ao mesmo tempo, ao conceito de que não há fronteiras para esparramar suas sementes mundo afora.
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Tudo isso regado pela força e empoderamento feminino com classe e elegância. A formação desponta como favorita ao título do Festival de Benidorm e viu Tanxugueiras ser eleita a palavra do ano na Galícia. O fato do restante da Espanha ter dificuldade com a pronuncia do nome virou meme e os eurofãs abraçaram a proposta.
Ouça Terra, a música das Tanxugueiras para o Festival de Benidorm
Para que o ano comece com boas notícias à música espanhola, há um obstáculo: Rigoberta, catalã de 31 anos, e sua Ay Mamá. A crítica é espinhosa e escorregadia. A primeira apresentação ao vivo da música levou a artista ao primeiro lugar nas casas de apostas e ganhou adjetivos como transgressora ao mostrar o seio de sua criadora.
Lembre-se, contudo, do que foi dito acima: a Espanha criou seu próprio mundo musical. É uma caixa fechada, sem retrovisores, em que o mercado fora de suas fronteiras é pura escuridão. A letra de Ay Mamá é uma coleção de clichês. O feminismo esbarra na cafonice de versos como “Tú que has sangrado tantos meses de tu vida” ou “No sé por qué dan tanto miedo nuestras tetas”, ou ainda na apresentação que deveria ter visceralidade, mas se aproxima do gestual de uma seita de série canastrona, beira a infantilidade.
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Rigoberta mirou no progresso da mulher com pautas antiquadas, superadas, datadas. Acertou na pieguice. É isso, se trata de uma canção piegas, que mais fará rir do que pensar. Um rotundo último lugar.
É importante ressaltar que qualquer problemática relacionada ao universo feminista precisa de acolhimento, mas é necessário ter cuidado na maneira com que isso é exposto para não correr o risco do deboche. Enquanto os espanhóis estão, no mínimo, uma década atrasados ao acharem um seio transgressor, Manizha foi ao Eurovision no ano passado tratando da política opressora de seu país em relação às mulheres. Havia ritmo e senso de empoderamento em Russian Woman – Toda mulher russa precisa saber (ah, ah) Você é forte o suficiente, vai quebrar a parede (hey, hey).
A derrota das Tanxu seria aceita caso a vitória ficasse com Rayden e La Calle de la Llorería. Nascido em Alcalá de Henares, na região de Madri, o artista teve o rap italiano e o Festival de Sanremo como exemplos para criar sua proposta. A canção tem um quê de C. Tangana, um alento de modernidade e fusão no cenário espanhol. E sobre as colegas galegas, ele disse: “Sem levantar armas fazem mais pelos galegos do que as guerras”.
Tanxugueiras é um abraço cultural, uma ilha de novidade para um festival que já que cansou da mesmice apresentada ano a ano pelos espanhóis. Pega um TOP 10 com tranquilidade. O único obstáculo está na visão de seus compatriotas, porque Europa afora, las Tanxu são o futuro.