Antes de qualquer senão, é preciso falar sobre o óbvio: a participação da Ludmilla no Coachella foi histórica. Negra, periférica e gay, a artista levou muitos marcadores sociais importantes a um dos principais palcos musicais do mundo. Teria apenas críticas positivas, não fosse pela “falha” grotesca no show do último domingo (21).

No meio das imagens do Rio de Janeiro, a mensagem “Só “só Jesus expulsa o tranca-rua das pessoas”  e uma oferenda sendo pisada escancarou a intolerância religiosa latente em um país onde a extrema-direita ganha força. A artista se defendeu.

“Hoje tiraram do contexto uma das imagens do video do telão do show em Rainha da Favela, que traz diversos registros de espaços e realidades a qual eu cresci e vivi por muitos anos, querendo reescrever o significado dele, e me colocando em uma posição que é completamente contrária a minha”, escreveu Ludmilla nas redes sociais.

“Rainha da Favela apresenta a minha favela, uma favela real, nua e crua, onde cresci mas infelizmente se vive muitas mazelas: genocídio preto, violência policial, miséria, intolerância religiosa e tantas outras vivências de uma gente que supera obstáculos, que vive em adversidades, mas que não desiste. Isso passa por conviver em um ambiente muitas vezes hostil, onde a cada esquina você precisa se deparar com as dificuldades da favela. Meu show começa com uma mensagem muito explícita , que não deixa dúvida sobre nada! Na sequência eu apresento a realidade sobre a qual esse discurso precisa prevalecer! Sobre uma favela sem filtros, sem gourmetizações, sem representações caricatas, uma denúncia sobre o real. Estou aqui pelo que é real e não essa versão vitrine importada para gringo achar que esse é um espaço que se reduz a funk, bunda e cerveja”.

“Não me coloquem nesse lugar, vocês sabem quem eu sou e de onde eu vim. Não tentem limitar para onde eu vou. Respeito todas as pessoas como elas são, e independente de qualquer fé, raça, gênero, sexualidade ou qualquer particularidade de que façam elas únicas”.

O pedido de desculpas, contudo, peca ao ignorar o cerne das críticas. Não fala sobre religião. Ludmilla é evangélica. O Tranca-Rua é agrupamento/falange de entidades responsável por guardar e limpar os caminhos no candomblé, umbanda e em outras crenças de matrizes africanas. Sua figura é considerada maligna em religiões cristãs.

Faltou cuidado, tato à produção. Faltou pulso firme da Ludmilla para falar em primeira pessoa sobre a imagem que, nua e crua, diz muito. A deputada Erika Hilton se manifestou sobre o caso: “A realidade da nossa sociedade é a de que a intolerância e o racismo religioso existem, e estão se fortalecendo em favelas e comunidades do Brasil inteiro com o apoio das milícias, do crime, e da extrema-direita. Quando se projeta essa realidade em um show do porte do show de Ludmilla no Coachella, é necessário refletir isso”.

No afã de mostrar o Brasil periférico real, Lud exportou intolerância. Errou.

“Mensagens como essa, sem nenhum contexto, podem criar mais danos à luta pela liberdade religiosa ao invés de ajudar a combater essa realidade de preconceito e violência contra pessoas de axé. A intolerância religiosa precisa ser combatida. No nosso cotidiano, na sociedade civil, pelo judiciário, no parlamento, e nas artes também. E as vozes que alertam e trabalham contra a discriminações, sejam elas religiosa, racial, de gênero e orientação sexual, precisam ser fortalecidas”, continuou Erika Hilton.

Ludmilla é, por si, bandeira. É luta. E por tudo o que carrega, sabe o tamanho de sua responsabilidade social. A escolha das imagens e da mensagem é uma falha inconcebível para quem sempre tem tanto a dizer sobre injustiças cotidianas. Seu nome aparece em primeiro lugar entre os assuntos mais comentados no Brasil hoje e, infelizmente, não pela façanha profissional.

“Quando eu disse que vocês teriam que se esforçar pra falar mal de mim, eu não achei que iriam tão longe”, disse a carioca no texto publicado hoje. Se colocou como vítima em uma situação em que, simplesmente, deveria pedir desculpas. A intolerância religiosa afeta tanta gente, principalmente nas comunidades, e o reforço disso em um cenário internacional foi um equívoco. Foi feio e desrespeitoso. Ponto.

A frase não pode ser aceita em nenhum contexto e, embora sua intenção seja compreensível, a execução foi, no mínimo, de péssimo gosto. Soou mais como apoio do que crítica aos intolerantes.

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