A briga é antiga: Alejandro Sanz, Enrique Iglesias, Rosalía e até mesmo Laura Pausini têm o direito de concorrerem ao Grammy Latino, uma vez que são nascidos na Europa? O anúncio feito pela Academia Latina de Gravação nesta quarta-feira (22) reacendeu a polêmica. Pela primeira vez, o evento mais importante da música latina será realizado fora dos Estados Unidos.
A Espanha foi a sede escolhida para a premiação em novembro de 2023, mais precisamente a cidade de Sevilha. Não apenas fora do território americano, mas longe do eixo Madri-Barcelona. O Grammy Latino vai para a capital da Andalucía. Puristas, críticos e ignorantes – no sentido literal do termo – bugaram.
Oras, como um evento que celebra o mercado latino será realizado na Europa? São inúmeras colunas no LatinPop Brasil falando sobre o mesmo tema: não é uma questão geográfica, é linguística. O espanhol da Espanha, o castellano da América Latina e o italiano têm como base o latim. Deveríamos ter franceses e romenos? Sim. A regra deve valer para todos.
O Brasil merece mais destaque? Além das categorias específicas, os brasileiros estão cada vez mais prestigiados nos prêmios principais do Grammy. Mais ainda depois de Anitta.
O Brasil, então, merecia sediar o evento? Aí, usando o dito popular, o buraco é mais embaixo. Simplesmente, porque o Brasil dá de ombros à música de língua espanhola, salvo raras exceções. De tempos em tempos, respingam artistas “latinos” por aqui. Pegamos carona no boom e depois os deixamos à própria sorte.
São poucos – e somos bravos – os que resistimos aos modismos e estamos além dos charts ou números. Somos, lamentavelmente, insuficientes para trazer um evento do tamanho do Grammy Latino para o nosso território. A Espanha, apesar de ter um mercado nacional à parte e bem sedimentado, abarca todos os artistas do idioma materno.
Alguém, além dos fãs de sempre, ainda ouve Luís Fonsi? E a CNCO (mesmo caminhando para seu fim)? Por que J Balvin precisou espremer o palco em 1/5 do Allianz Parque no ano passado? Por que o show de Enrique Iglesias, ainda nos tempos pré-pandemia, não estava lotado? Tratamos mal, muito mal, os ídolos de língua espanhola. E aqui citamos apenas os que tocaram em rádio e fizeram (ou fazem) relativo sucesso no país.
O Brasil desconhece Pablo Alborán ou David Bisbal. Paty Cantú, Marco Antonio Solís ou C. Tangana. Dá as costas para o veterano Residente ou para o novado Paulo Londra. O Brasil é latino, mas não se reconhece como tal. Existe uma quase xenofobia musical que nos coloca alijados do restante do continente. Exigir que o Grammy Latino seja realizado por aqui é tapar o sol com a peneira. Você gosta de música latina-hispânica-espanhola. Seu vizinho, muito provavelmente, só consome o mercado anglo.
O Brasil sequer dá espaço à música portuguesa, tão cheia de bons talentos nos últimos anos. Pedimos demais, ofertamos pouco.
Sair dos Estados Unidos é uma conquista para o Grammy Latino. É expandir de maneira definitiva suas fronteiras e colocar um ponto final em uma polêmica sem sentido. A Espanha é tão latina quanto nós somos: eles pelo idioma, nós pelo território. Mas eles aproveitam muito melhor do que nós a amplitude musical.