A final do Eurovision Song Contest completa um mês nesta terça-feira, 14 de junho. Na decisão realizada em Turim, na Itália, a vitória – previsível e justa – ficou com os ucranianos do Kalush Orchestra (Stefania), o segundo lugar para o britânico Sam Ryder (Space Man), e com Chanel, da Espanha, fechando o pódio. E essa é a história a ser contada em 2022.
Tudo começou em 31 de janeiro. Contrariando todas as previsões, a artista nascida em Havana (Cuba) levou o troféu do Beniform Fest, superando as propostas favoritas de Rigoberta Bandini e Tanxugueiras. O resultado não foi bem quisto sequer pelos espanhóis. Em primeiro lugar, os fãs mais exaltados deram um show (ironia aqui) de xenofobia. Como poderia uma não-espanhola representá-los no maior festival de música da Europa?
Sua carreira musical inexistente até então foi outro fator de um pré-cancelamento nas redes sociais. Chanel construiu sua trajetória artística na dramaturgia, não tinha números no Spotify ou YouTube que a credenciassem a um evento de música. Foram algumas semanas de críticas, dúvidas e muito hate. Até que começaram as pré-partys, eventos que antecedem o Eurovision, e as performances da representante espanhola foram rompendo fronteiras.
SloMo não é nem de longe a melhor música entre as 40 selecionadas. Sua letra não é exatamente edificante. Todo o contexto lembrava muito Fuego, da cipriota Eleni Foureira, a vice-campeã de 2018. Só que nesta temporada não havia Eleni. Sequer outra Chanel. Navegando sozinha no pop, dance, latino, ela começou a sobressair entre os demais concorrentes.
E aqui vale o maior dos parênteses de toda a história: mesmo sem uma proposta original, sem ter o melhor vocal ou a melhor composição, Chanel carregou SloMo nas costas com uma performance impecável. É isso: mais do que cantora, bailarina ou atriz, ela é uma tremenda performer. Às vésperas do Eurovision, já era considerada uma das favoritas, ainda que todo mundo soubesse como terminaria o festival.
De haters a fãs, os espanhóis começaram a reverenciar a artista que mudaria o curso do país no festival, após uma série que parecia interminável de propostas ruins, resultados catastróficos e a imagem arranhada no continente. Antes da Chanel, a Espanha era motivo de chacota na competição nas últimas décadas, exceção feita aos bons resultados de Rosa, Beth, Ramón, Pastora Soler e Ruth Lorenzo. Mas nada comparado ao Chanelazo! Foi o resgate do orgulho em vermelho e amarelo.
Todo esse texto poderia ser apenas o discurso do fandom apaixonado e até irascível do país. Só que os números não mentem. Desde maio, SloMo é a canção com maior número de streams entre as que concorreram no festival: 19,7 milhões do total de 39 milhões. A vencedora no Spotify é Brividi, dos italianos Mahmood e Blanco, cuja maior parte das reproduções veio do período pré-Eurovision, pós-Festival de Sanremo: 95 milhões.
Diariamente, a música da Chanel vence a mesma disputa. No último levantamento, de 12 de junho, ela recebeu quase meio milhão de acessos. A Chanel, cuja única música na plataforma é SloMo. A Chanel, que saiu de algumas centenas de ouvintes mensais para 3,9 milhões em quatro semanas. A Chanel, cuja vitória foi duramente criticada pelos seus. A Chanel dos palcos de O Rei Leão, Mamma Mía e, agora, do Eurovision.
Sair do absoluto nada para a história também tem seu preço. Como dito acima, a carreira musical da Chanel se resume a SloMo (desprezada por Jennifer Lopez antes do concurso). Seu próximo single já foi gravado e ela promete navegar por outros gêneros para formar repertório. Ainda não há data de lançamento e isso preocupa: embora ainda esteja no prazo de colher os frutos eurovisivos, urge sinalizar para o futuro. Caso contrário, vira onehitwonder. Vários de seus colegas de ESC já viraram a página, falta pouco para que seja o seu momento de fazer o mesmo.
À Espanha, fica a lição musical e social. É preciso espremer esse jugo de mango e extrair dele as coordenadas para um próximo Chanelazo. De preferência, para tirar o o país da longa fila de títulos.