O Festival de Benidorm realizou na noite de quarta-feira (26) a sua primeira semifinal e surpreendeu para o bem e para o mal. Com bons pops, algumas propostas terão espaço garantido – e merecido – nas rádios espanholas nos próximos meses. Em contrapartida, o júri, mais uma vez, mostrou total desconhecimento do que é preciso para ir ao Eurovision Song Contest com uma performance para ficar além do bottom -5, os últimos cinco lugares da competição europeia.

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Segundo os avaliadores, a apresentação folclórica, cultural e ancestral das Tanxugueiras só ficou acima da boyband Unique, que sangrou ouvidos com vocais aquém de seletivas para festas do bairro. Os jurados também preferiram a atuação datada das Azúcar Moreno com o Postureo que nada evoluiu de Bandido para cá.

Varry Brava com Rafaella, em homenagem a Carrà, teve seu esforço reconhecido com muitas cores e animação; Blanca Paloma foi um dos destaques da noite na bela puesta en escena de Secreto de Água, e Chanel – lembrando o Chipre de Eleni Foureira com Fuego em 2018 ficou com o topo da classificação. A última, quiçá, seja a única proposta capaz de competir com Terra, das galegas, no quesito eurovisivo.

Quando participei do Apuntamento Lusófono, da TV Galicia, para falar sobre a febre Tanxugueiras entre os eurofãs, fiz a seguinte analogia: imaginem aqueles encontros tão brasileiros em que cada um leva um prato para ser compartilhado. Portugal escolhe o bacalhau. O Brasil, se lá estivesse, mandaria a feijoada com caipirinha. Franceses levariam Boeuf Bourguignon. Perguntada sobre o que levaria, a Espanha responderia pepino. Não gazpacho, o pepino. “Mas Espanha, ninguém gosta de pepino”, explicam os especialistas. “Mas eu gosto e pronto”. Tem paella, tem mariscada galega, mas a Espanha leva seu pepino insosso mesmo que não seja consumido por ninguém.

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E foi isso que vimos ontem. Pela primeira vez em anos, os espanhóis podem ser representados por algo nativo, visceral e com potencial de espetáculo televisivo. Muito se falou sobre o plano aberto das imagens, que pode ter deixado “confusa” a apresentação repleta de elementos das Tanxugueiras, mas Benidorm não nasceu para conversar com as câmeras, assim como sua inspiração – o Festival de Sanremo – e muito menos o Eurovision, em que a apresentação deve ser desenhada para um programa de TV. O casamento de voz, pirotecnia, dança, cenário, vestuário e demais indumentárias é fundamental para o sucesso no evento europeu.

A proposta das Tanxugueiras para o Eurovision

Os artistas sabem, os eurofãs sabem, a Espanha mostra ano a ano que as vitórias de Massiel e Salomé, nos longíquos 1968 e 1969, só ocorreram porque o conceito era diferente. Desde então, a TVE manda o que lhe der na telha e, convenhamos, sempre atrás das tendências em um festival que tem no seu DNA a vanguarda.

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As Tanxugueiras levaram o televoto, se classificaram para a final de sábado, têm o apoio popular, mas é quase certo que serão alabadas muito além de Benidorm, mas longe de Turim. Corre à boca pequena que a emissora estatal alimenta predileção por Ay Mamá, da Rigoberta Bandini, cuja performance foi classificada como transgressora por alguns veículos de imprensa locais.

Já falamos sobre isso, mas vale ressaltar: qualquer música que trate de feminismo deve ser acolhida. Ay Mamá tem boa intenção, mas peca muito na execução. Rigoberta poderia falar sobre o tabu das tetas femininas ou menstruação com sensibilidade e inteligência, mas apelou para clichês e criou uma tema ruim. Ruim na lírica, na melodia, e piegas na estética. Mas para a Espanha, a artista catalã de 31 anos é seu pepino. Ninguém vai gostar, mas ela gosta. Vai virar piada na Itália e entre os fãs de Eurovision, e já flerta com o fim da tabela quatro meses antes do festival.

A segunda semifinal de Benidorm acontece nesta quinta-feira (27) com a favorita competindo com Rayden (e a excelente Calle de la Llorería), Javiera Mena, Marta Sango, Xeinn, Sara Deop, e Gonzalo Hermida brigando por uma vaga na final com seu videoclipe, já que testou positivo para Covid-19. Luna Ki desistiu da competição ao ser proibida de usar autotune em sua apresentação de Voy A Morir. Mera formalidade para consagrar Rigoberta.

Entre todos os erros de execução do festival, o anúncio das pontuações das semis é o crasso. A menos que mudem tudo da semi para a final, como convencer os jurados a uma opinião diferente em tão poucos dias? Desanima os participantes e os espectadores, ainda mais com o sistema de votação em que a escolha popular tem peso de apenas 25%.

Eu vou assistir pela obrigação profissional (e uma dose de masoquismo musical), mas as cartas estão na mesa. A Espanha nunca vai conseguir reproduzir a diversidade, pluralidade e qualidade do Festival de Sanremo enquanto não ousar apostar em algo seu, único e raiz. Entre os ibéricos, vai ficar mais uma vez a ver navios, já que Portugal vem com uma seletiva fortíssima no Festival da Canção. E Sanremo é Sanremo. E a Espanha será, mais uma vez, só a Espanha dos memes.

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