A semana do Eurovision Song Contest começou com a Suécia perdendo o fôlego para a Finlândia nas casas de apostas. O 41% a 23% vem após a primeira leva de ensaios, em que Käärijä provou que Cha Cha Cha tinha muito mais a dar do que a versão apresentada na final do UMK (Uuden Musiikin Kilpailun, a seletiva finlandesa), enquanto Loreen repetiu ipsis literis o que o público viu no Melodifestivalen, em março, com a boa – não ótima – Tattoo.
A proposta sueca é aquela fórmula exata para vencer o ESC. Sem erros, mas ao contrário de 2012, quando Loreen arrebatou o público com Euphoria na mais avassaladora vitória eurovisiva, um triunfo em 2023 seria apenas cumprir os ritos burocráticos. Não se espera dela menos do que traz ao certame mais de uma década depois. O ônus de colocar a régua muito no alto para o festival há 11 anos.
Já o rapper finlandês de 29 anos é a própria representação do que faz o Eurovision um evento único na música: tem frescor, tem transgressão, tem despretensão, tem diversão. Jere Pöyhönen, nome de batismo de Käärijä, dificilmente seria levado a sério fora das quatro linhas da competição europeia. Cha Cha Cha fala sobre beber sem compromisso, viver a vida com alegria e leveza. Não tem, nem de longe, o nariz empinado de Amar Pelos Dois, de Salvador Sobral, ou a força política de 1944, da Jamala.
Não é o pop comercial de Arcade, que viralizou Duncan Laurence; tampouco tem o poderio rockstar de Zitti e Buoni, do Måneskin. Especialistas dirão que é a Toy (Israel 2018) da década de 2020, mas naquela ocasião Netta tinha uma mensagem girlpower, feminista. Cha Cha Cha é só… cha cha cha.
E depois da densa vitória de Stefania, do ucranianos do Kalusch Orchestra, ano passado, talvez seja o vazio necessário. Guerra, covid, isolamento… o mundo precisa de Käärijäs para recomeçar.
Engana-se, porém, quem acha que a Finlândia foi apenas brincar em Liverpool, sede do Eurovision neste ano em razão da invasão da Rússia na Ucrânia. A proposta cênica é de tirar o fôlego; quiçá a mais bem elaborada da temporada. E essa sempre foi a graça da brincadeira: tentar explicar o inexplicável a aqueles que vivem fora do mundinho eurovisivo.
A vitória finlandesa seria devolver o festival à sua essência incompreensível aos olhos do mundo “normal”.
Depois de anos e mais anos emplacando hits nos charts de todo mundo (oi Snap), nada melhor do que uma ganhadora tão nossa, tão indecifrável. Os louros de Tattoo já virão na caçamba do óbvio ululante, do bom, do correto, das críticas rasas, do talento de Loreen. Após tantos anos sendo trivial, é hora do Eurovision transgredir.