Ainda era janeiro quando escrevi o texto: “A gente precisa entender que a Rosalía de El Mal Querer foi um imenso delírio coletivo“. À época, ela acabara de mostrar um trecho de Hentai nas redes sociais, dividiu opiniões e, por aqui, não convenceu.
O artigo não está de todo errado. Aquela Rosalía, de fato, não existe mais. O que vale aqui é a reflexão: o que vimos no Espaço Unimed, em São Paulo, na última segunda-feira (22), mostra uma artista que evoluiu. E, aqui, vou tentar explicar minha mudança drástica de opinião.
Desde que a era Malamente acabou, a catalã iniciou o flerte com o mercado anglo, mais pirotécnico, menos poético. O ponto central é que, gostemos ou não, não é menos artístico.
O domínio de palco é algo que impressiona e seduz o espectador. O atual repertório hitado transformou a casa de espetáculos em uma imensa celebração para a reabertura do mercado latino no Brasil. E Hentai, alvo de críticas há sete meses, é justamente um dos pontos altos por seu contraste lírico e melódico.
Rosalía merece um pedido de desculpas público não apenas na questão artística. É engajada, social. Deixou que o público se manifestasse livremente sobre o atual momento político do país e incentivou os protestos. Saber o lado em que seu ídolo está é muito importante para seguí-lo ou não.
Além disso, foi extremamente simpática ao cantar e conversar com os fãs em português. Cantou lindamente, quase como uma nativa. São os pequenos gestos que mostram grandeza, e ela o fez. Grandeza e leveza que já tinham ficado evidente em Despechá, seu último single, quase uma unanimidade entre fãs e haters.
Não bastasse, à sua maneira, protestou contra o mercado de influencers no país ao abandonar uma festa em que os profissionais de mídia digital não a deixaram curtir um momento privado e de relaxamento para tirar fotos. Sua insatisfação evidente nas imagens virou meme. Ficou apenas 40 minutos e foi embora, mostrando que esse tipo de comportamento saturou, embora tenha sido o alvo da gravadora e da organizadora para promover o evento, em detrimento de jornalistas.
E, ao vivo, ninguém tem dúvida sobre Motomami: não tem nada de decadente, é vanguardista. E como tudo o que abre portas, precisa de um tempo para apreciação. Choca na primeira audição, acostuma na segunda, e vicia dali por diante. Foi assim que aconteceu comigo. Em outro texto publicado no dia do lançamento do álbum, em março, trouxe essas questões. E dali, o que fica é o último parágrafo, do qual não sou capaz de alterar uma palavra:
O que também não dá para dizer que é Rosalía seja covarde. Colocar esse álbum no mercado depois de seus últimos trabalhos é, definitivamente, um ato de coragem. Não entendam como crítica ou deboche, é corajoso mesmo.
Rosalía pode não ser a artista favorita aos meus ouvidos, mas é uma performer que enche meus olhos.