Hora de pensar rápido: qual foi a última mulher a vencer, como solista, o Festival de Sanremo? Scroll mental para chegar em 2014, quase uma década atrás, com Arisa triunfando ao som de Controvento. Desde então, apenas Victoria De Angelis, baixista do Maneksin, sentiu o sabor da vitória.

O pódio estendido de 2023, agora com cinco lugares, deixou evidente a dominação masculina no mercado musical italiano nos últimos anos. A ausência de mulheres e, ainda mais, a posição baixa das propostas femininas foi motivo de crítica por parte dos jornalistas e do público que acompanha o festival.

A primeira mulher a aparecer na classificação final desta temporada foi Giorgia, na sexta posição, seguida por Madame. Polêmica à parte sobre a questão da vacinação, merecia um lugar entre os cinco. Elodie, com a excelente Due, ficou em oitavo lugar. Coma_Cose, formado por California (Francesca Mesiano) e Fausto Lama, apareceu na 13ª colocação. Paola & Chiara em 17º. Mara Sattei, talvez a mais injustiçada pelo resultado final, em 19ª. Levante (23º), Anna Oxa (25º) e Shari (27º) completaram o time feminino.

A análise precisa ser mais profunda. Historicamente, o Festival de Sanremo é um evento de homens. Antes de Arisa, Emma quebrou outro “jejum” de nove anos em 2012. Ah, ok… Lola Ponce esteve ao lado de Giò di Tonno em Colpo de Fulmine, vencedora em 2008, mas falamos das potentes solistas italianas. O século XXI tem ainda Elisa, com Luce, ganhadora em 2001.

Ou seja: falamos de apenas três vitórias de mulheres solas no mítico Teatro Ariston nos últimos 23 anos. Não é pouco, é mísero. Assim como o número de comandantes femininas da atração, embora neste posto estejam em maior número com Simona Ventura, Raffaella Carrà, Antonela Clerici, Luciana Littizzetto, entre outras, nas duas últimas décadas.

Outro dado importante: nenhuma mulher foi, até hoje, diretora artística do festival. Nenhuma. Zero.

O pódio de 2023 grita porque, ainda que não vencessem, as mulheres se faziam presentes entre as favoritas. Nesta temporada, não apenas sumiram das primeiras colocações como viram Chiara Ferragni, uma das figuras mais importantes da Itália, ser achincalhada nas redes sociais. Co-apresentadora da noite de abertura e da final, viu seu discurso feminista ser ridicularizado por homens e mulheres. Até no Brasil. Longe de ser a mais articulada valletta do festival, La Ferragni tem um papel importantíssimo no país porque, embora tenha construído um império multimilionário, é capaz de falar com todas as faixas de público com simplicidade, sem deixar que o cerne da mensagem se perca em um eruditismo tolo e desnecessário.

O apagamento feminino foi tão forte que Marco Mengoni, em seu discurso de vitória, agradeceu a todas as mulheres que trabalharam no festival. Parecia visivelmente incomodado.

A Itália de Gigliola Cinquetti, Laura Pausini, Mia Martini, Iva Zanicchi e tantas outras artistas lendárias é, hoje, um país machista em todos os sentidos. Comandado por uma presidenta (sim, uma mulher) de extrema-direita. Emblemático que em seu primeiro ano no governo, o resultado seja esse. Emblemático que nos últimos anos, nessa metamorfose para o conservadorismo, as mulheres tenham sumido do lugar mais alto do pódio. Emblemática a idolatria pelas vozes masculinas. Emblemático que o mercado seja, atualmente, dos homens. No fim, tudo é política e ideologia.

Obviamente, a culpa não é direta da Giorgia Meloni. Ela é só a ponta do iceberg que reflete a atual situação do país, hoje dominado pelo pensamento da “tradicional família italiana”. Retrógrado e, por que não, misógino. O mercado musical virou um reflexo disso: entre os cinco discos mais vendidos, segundo a Fimi (Federazione Industria Musicale Italiana), nenhuma mulher.

Resta, agora, saber se Sanremo foi um espelho social ou será a tendência para o restante da indústria musical italiana em 2023.

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